Falar sobre este acidente é recuar no tempo cerca de 22 anos, espero não ferir suscetibilidades, pois este além de ter sido o meu primeiro acidente, foi também dos acidentes mais graves que socorri até hoje.
3 de Agosto de 1992, eu tinha acabado de chegar ao quartel por volta das 12h30, estava junto à central e o telefone tocou, o tom de voz da Sra. Lurdes (operadora de central de serviço) não fazia prever boa coisa, e assim que desligou dirigiu-se ao pessoal de serviço dizendo:
"dirijam-se para a churrasqueira tudo na brasa que à lá um acidente muito grave, mas não levem os míudos".
Os míudos eramos nós, os cadetes, e nessa altura estávamos dois no quartel, eu e um primo meu.
Quando ela acabou de dizer isto foi quando me deu mais vontade de ir para o local, e então sorrateiramente sem ninguém se aperceber no meio de alguma confusão, consegui entrar para uma viatura pela parte de trás, não imaginava eu o que me esperava.
Já a meio do caminho os meus colegas aperceberam-se que eu também lá ia, e que grande sermão que me deram, ao qual eu respondi: "não me vão deixar aqui por isso siga para a frente".
Quando chegamos ao local, bem era o caos total, um camião de areia com um reboque atrelado cilindrou completamente um casal que estava parado de moto no cruzamento da churrasqueira.
Isto aconteceu porque o atrelado se soltou numa ligeira curva que tem antes do referido cruzamento, e foi "apanhar" justamente este casal que estava no cruzamento parado.
Este acidente marcou toda a gente de uma forma ou de outra, foi um acidente de uma brutalidade nunca antes vista,ficando os corpos completamente desfeitos.
Eu espero não vir a ter problemas com este meu desabafo, mas o termo para o que encontrámos é mesmo este "corpos completamente desfeitos".
No local estava toda a gente estarrecida com o que se estava a ver pois por muito preparado que se esteja, nunca ninguém está à espera de ver um cenário tão horrendo.
Mediante tudo isto restou-nos aguardar pelas autoridades e começar "apanhar" os corpos e perdoem-me a expressão, como quem apanha milho para sacos, sim porque foi precisamente isto que nós fizemos.
Os meus sentimentos naquela hora foram tantos que a minha primeira reação foi virar costas ao local e comecei afastar-me, e se não fosse um colega a chamar-me não sei se não teria mesmo fugido dali para fora. Eu tinha 15 anos e ainda não estava preparado de forma alguma para ver um cenário daqueles, mas quis o destino que assim fosse e por isso mesmo mantive-me ali de pedra e cal até ao fim.
Hoje é o dia que entre os bombeiros mais antigos no C.B ainda se fale sobre este acidente sempre com um brilho triste nos olhos, pois foi um acidente que nunca mais se esquece. Este acidente ficou gravado no nosso Corpo de Bombeiros como, "o acidente da churrasqueira"
Foi nesta viatura que fui para o acidente
Este foi o local do acidente
Espero não ter ferido susceptibilidades ao recordar este acidente, sei que muita gente não gosta de falar sobre coisas más, mas o meu único objectivo é dar a conhecer o nosso trabalho, o nosso dia a dia, o que nós passamos no terreno e em cada situação, e que ninguém pense que é fácil, porque não é, porque nós somos humanos, não somos super heróis como muita gente pensa, e por muito pouco que pareça estas coisas mexem connosco muito mais do que possam imaginar, e muito mais do que nós mesmo queremos.
Gostava também de deixar aqui um pedido a quem se lembrar deste acidente, deixem os vossos comentários, deixem o vosso testemunho se estiveram no local e se lembram de alguma coisa, e aos outros mais uma vez vos peço, deixem as vossas histórias vividas, as vossas situações que mais vos marcaram, e assim até nos poderemos ajudar uns aos outros.
Afinal de contas os BOMBEIROS estão sempre prontos para ajudar...